quarta-feira, novembro 24, 2010

Onde estão os pais?

O outro dia, foi a Mayara, uma estudante de Direito - futura advogada -, que fez um comentário racista e preconceituoso contra o povo nordestino, dizendo que "nordestino não é gente". Antes disso, havia sido os estudantes adolescentes, de colégio particular, que estupraram a colega. Agora é a vez do Felicíssimo (o nome é perfeito), estudante de Medicina - futuro médico -, que quebrou a cabeça (literalmente) de uma menina e agrediu outra (ocasionando uma incisão de sete pontos), em um bar local.

Quem lê isso, vai pensar que são cenas de um filme surrealista ou, no mínimo, de mau gosto. Mas não. É tudo verídico. Esta é a escória que habita o esgoto em que vivemos atualmente. Mas também, pudera. Com tantos "bons exemplos" de presidentes, deputados, senadores, prefeitos, para não dizer padres, bispos, pastores, e pais, é difícil mesmo, esperar que algo diferente se prolifere em meio aos ratos.

Por falar em pais, onde estarão eles? Será que existem mesmo, hoje em dia, ou são apenas figuras imaginárias, lembranças de um tempo distante, quando se educava e instruía as crianças, apostando que pudessem se tornar adultos responsáveis e íntegros? Personagens de um filme de terror, quem sabe? Sim, pois alguns deles não se contentam em, apenas, não fazer nada. Estão por aí, "educando" seus filhos, na base do espancamento.

Daqui algumas décadas (se chegarmos até lá), a figura dos pais vai ser algo comparado à do Saci-Pererê. Serão apenas personagens míticos do folclore, criados para nos dar a falsa impressão de que nossas crianças - o futuro da nossa raça - não estejam se criando por conta própria. A consequência disto? Falta de educação (no sentido real da palavra mesmo), de valores morais, de cultura. É, toda essa lengalenga piegas que ninguém mais gosta de lembrar.

Outro dia, o Prates, jornalista renomado, vociferou contra o que ele chamou de "miseráveis" que adquiriam automóveis e saiam por aí dizimando o trânsito. Foi crucificado. Não mediu bem as palavras e passou por desumano e preconceituoso. Na minha opinião, um erro justificável, dadas as atrocidades revoltantes nas quais estamos imersos 24 horas por dia. Explico: não interpreto o termo "miserável" utilizado, como vinculado à pobreza de bens materiais, à situação socioeconômica (acho que "classe social" está caindo em desuso, e não quero ser processado por preconceito). Mas sim, à pobreza de cultura, de educação e de moral. E aí, concordo plenamente com ele. Para dirigir um carro, não basta saber usar o acelerador e o freio. Tem que ter bom senso, educação, respeito e responsabilidade. Nesse ponto, tanto faz o cara ser pobre ou rico.

A pouca vergonha deste país, é deixar gente sem a menor condição, tirar carteira. Ou pior, dirigir sem, já que a fiscalização é inútil. Auto-escola? Não me faça rir. É só (mais) um jeito de extorquir dinheiro do povo. Eu transito na SC-401 todos os dias. Alguns leitores não têm noção das aberrações que eu presencio diariamente (vide a placa de "É o X° dia sem mortes nesta rodovia" que, quando o X chega a 30, solta-se fogos de artifício). Inclusive essa, que o Prates comentou: os abutres parando no meio da estrada, para ver se conseguem ver de perto e sentir o cheiro do sangue.

Pois eu, se fosse deputado, iria propor o seguinte projeto de lei: todos aqueles que quiserem ter filhos, o farão desde que adquiram uma habilitação de paternidade. Essa habilitação seria concedida, após realizado o curso básico, e mediante aprovação nos exames teóricos e práticos, além dos exames psicológicos e sociológicos. Uma vez concedida esta habilitação, ela deverá ser renovada a cada 5 anos. Infrações graves poderão ocasionar a suspensão ou revogação permanente da habilitação.

Não, Duende, é lógico que a lei não seria aprovada. Mas quem sabe, a proposta pudesse levar alguém a pensar um pouco na responsabilidade que as pessoas carregam, quando decidem ser pais. O problema são os estúpidos (cada vez mais deles) que acham que, para ser pais, basta saber ejacular. A eles, meu comentário: o fato de vocês possuírem espermatozóides e óvulos, os tornam aptos a gerar uma vida. Mas, de forma alguma, a nutrí-la com os valores morais, éticos, emocionais, sociais, e tantos outros fatores indispensáveis para a evolução deste ser, para um adulto íntegro. Para isso, é necessário muito, muito mais.

"Onde poderemos nós, alguma vez, encontrar alguém que tenha recebido, seja de quem for, mais benefícios do que aqueles que os filhos receberam dos pais."
-- Xenofonte

sexta-feira, novembro 19, 2010

Amor e Medo

Hoje, quando vinha dirigindo de volta para casa, em meio ao caos tradicional do trânsito das 18hs, me ocorreu um pensamento, não novo, mas recorrente, e que evolui a cada instância em que me deparo com situações similares. Enquanto presenciava inúmeras demonstrações de falta de respeito, descaso, inexperiência, arrogância e irresponsabilidade, por grande parte dos motoristas, estava presenciando, de fato, um espetáculo da mais pura essência humana.

Me ocorre que -- e como já mencionei por diversas vezes -- o ser humano, em sua essência, é totalmente amoral. Ele possui apenas um instinto de auto-preservação, o que leva a uma necessidade de bem-estar próprio. Em suma, ele age de acordo com o que é mais benéfico para si, em cada determinado momento. Isto parece, de fato, ser um pensamento simplista e até óbvio. Óbvio, porque os próprios conceitos de moral, valores, ética e a própria definição de certo e errado, foram criados pelo ser humano. E, também por ele, têm sido passado, deturpado e alimentado a seus descendentes, através de suas próprias experiências e interpretações imperfeitas. De fato, o ser humano é uma criatura tão falha em sua essência, que me faz pensar (mais uma vez), qual o verdadeiro propósito de sua criação (não que eu aspire desvendar o mistério da Criação, pelo menos nesta vida). Mas creio já saber a resposta: a evolução. E tenho uma forte crença, teimosa, de que um dia chegaremos lá. Se não nessa, em outra vida. De qualquer forma, o ser humano não tem a capacidade e, muitas vezes, nem mesmo o interesse de se policiar dentro de suas próprias diretrizes, e agir coerentemente de acordo com aquilo que, ele próprio, definiu como certo, moral, ético ou justo. Em outras palavras, o ser humano não age de acordo com seus próprios conceitos de correção. Não faz algo porque está certo, nem tampouco deixa de fazê-lo porque está errado.

Mas então, o que policia o homem, o que rege sua vida e o coloca na direção certa de sua suposta evolução, e permite que viva em sociedade e harmonia com os demais seres humanos do planeta? O sentimento mais primitivo de todos, que é congênito e forjado em sua essência, junto com sua amoralidade: o medo.

O homem não tem a capacidade de discernir o certo do errado, não antes de ele próprio definir o que é isso. Mas ele é capaz de sentir. E o medo é um sentimento forte o suficiente para fazê-lo agir. O homem não rouba e não mata um semelhante, não porque é errado, ou imoral. Mas porque tem medo das consequências de infringir uma lei, que ele próprio criou para definir o que pode, ou não, ser feito. O duende berra: "Blasfêmia! Eu não roubo porque isso é errado! Sou honesto!" Calma, duende. Até você verá que é tudo uma questão de interpretação. Roubar um pão para sasciar a fome de um moribundo é justificável. Assim como matar em legítima defesa, para evitar a própria morte. Tudo é uma questão de ponto de vista, já que tudo foi criado e definido pelas próprias mentes que julgam e agem.

Assim, enquanto minha mente vagueia por esses pensamentos, eu, momentaneamente distraído, percebo que, ao ficar do lado de cá da faixa de pedestres para não trancar o cruzamento quando a luz tornar-se verde, permito que mais um motorista mal-educado entre na minha frente (pela terceira vez). Consequência: a essa altura do campeonato, os ânimos já estão tão alterados que, todos, de ambos os lados do cruzamento, decidem disputar, na força-bruta, as escassas vagas da via congestionada. Ué, mas não é errado, imoral e injusto? Agora não, já que o medo desapareceu: não existe ninguém fiscalizando e fazendo cumprir a lei (e punindo quem a desobedece). E aí, estamos de volta à nossa mais pura essência: a amoralidade e a necessidade do bem-estar próprio.

Então, estaremos perdidos? É o fim de tudo, mesmo antes de haver começado? Não. Como tudo nesta vida é contrabalançado por uma força maior, existe um outro sentimento humano, tão forte quanto o medo, e igualmente capaz de fazer o homem agir: o amor.

Por amor, o homem trabalha em excesso para sustentar uma família, deixa de alimentar a si próprio, de dormir. Põe sua própria vida em risco e, às vezes, a sacrifica. É capaz de colocar o bem-estar de outrem, acima de seu próprio. Toma decisões difíceis, torna-se altruísta, muda hábitos e se disciplina. O amor, se não oposto (como o velho clichê: amor e ódio), é complementar, equivalente, e tão motivador quanto o medo.

Mas o ser humano se utiliza do medo para policiar sua existência. Cria leis, deflagra punições. Cria castas e intimida seus subordinados. Para disciplinar uma criança, dá-se uma palmada, coloca-se de castigo. O medo irá condicioná-la. Nas empresas, incentiva-se mais por sanções do que por recompensas. As autoridades impõe controle, não por respeito, mas por medo das consequências adversas.

Há uma diferença sutil, entre as duas abordagens: o medo se impõe; o amor, é preciso conquistar. Mas algo me diz que, uma espécie que necessita fomentar um sentimento vil como o medo, e o usa para reger sua própria existência e evolução, além de justificar suas fraquezas e inaptidões, está fadada a definhar em sua própria amoralidade inóspita.

Seremos capazes de reverter o alicerce sob o qual construímos toda uma sociedade? O tempo dirá. Enquanto isso, sempre teremos opções: amor ou medo?

A honra que recebemos daqueles a quem tememos em nada nos honra.
-- Michel de Montaigne